Antes de qualquer coisa, tenho que admitir que ouvi, sim, a conversa alheia. Mas não tive culpa se a mulher sentou ao meu lado e resolveu conversar com o cara com o banco do outro lado. Talvez ela tenha feito isso porque percebeu que eu não daria bola para o seu papo, mas isso não interessa. O importante é ter história.
Vamos ao que interessa. Voltava eu, inocente e despreocupado, feliz de ter visto meu amor, da UFF. Estava na minha, sentado ao lado de uma das janelas, olhando para fora. Percebo a mulher resmungando alguma coisa, mas não me preocupo. Na verdade, cago para ela.
Eis que ela fala mais alto e olhando para o cara do banco do outro lado do corredor, que tem a infelicidade (para ele; foi bom para mim) de responder. Daí ela começa a falar e solta sua "linha de raciocínio".
Coloco entre aspas porque ela estava falando sobre moradores de rua - vulgos mendigos - perto de um Banco do Brasil, na Presidente Vargas com Rio Branco, mais ou menos. Diz que não gosta deles, que tem medo de passar por perto. Diz que são todos já adultos, mais ou menos da idade dela. Que estão ali para fazer maldades, que parecem estar sempre à espreita, à espera de uma vítima para assaltar ou coisa pior. Não sabe como ninguém faz alguma coisa, que quer escrever uma carta para a prefeitura, que isso é uma tragédia. Depois diz que "bem que poderia cair uma marquise em cima", não sem aquele famoso "ai, cruz-credo, que isso" no final. Aquela aliviadinha pra Deus perdoar um desejo teoricamente ruim, mas tão legítimo.
Não sou psicólogo, mas passei um tempo tentando imaginar o que se passa na cabeça de uma criatura dessas. A única resposta que me veio foi vento. Porque não é possível que uma pessoa de nível social médio - no mínimo - não pense mais seriamente a respeito do assunto. Como pode alguém simplesmente pichar moradores de rua, como se eles fossem maus por natureza? Até onde eu sei, a lei natural das coisas não é do tipo nasceu pobre e foi morar na rua, é porque é mau. "O homem nasce bom, a sociedade que o corrompe", não é verdade? E mesmo que não seja, você não pode simplesmente taxar um mendigo por ele ser um mendigo.
É fácil falar ventindo um blazer bonitinho, voltando para casa depois do trabalho em um ônibus com ar-condicionado e encontrando comida na geladeira e cama arrumada. Será que, se os papéis fossem invertidos, ela estaria à espreita para fazer alguma maldade? Será que seria ladra, cheiradora, assassina? Será que cataria papel e latas dentro do lixo para ganhar uns trocados ou será que esmolaria?
Não discuto a índole dos sem casa, sei que tem gente boa e ruim. Assim como tem gente rica boa e gente rica má. O que sou contra é estigmatizar toda essa gente sem tentar fazer nada para resolver a situação.
Essa visão me cheira a Veja. A revista, não o desinfetante.
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Por outro lado, revejo a situação e penso que a mulher já pode ter sido vítima da violência. Pode ter sido roubada, ou alguém que conheça. Pode ter sido seguida, sofrido um seqüestro-relâmpago ou agredida. Pode até conhecer alguém que tenha sofrido coisa pior que isso, mesmo sido assassinada.
Isso não desfaz o preconceito do que disse ou valida seu julgamento. Mas justifica o medo. Medo é irracional, assim como podem ter sido os seus comentários ao meu lado.
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Pesar os dois lados e pensar através da ótica de cada um deles, aliviando a barra de todos os envolvidos, provavelmente faz de mim o maior encimadomurista dos blogueiros.
Problema meu, não tenho o direito de julgar ninguém. Não sou santo, não sou perfeito. Nem padre sou ainda. Nem nunca serei.
E como vocês também não são perfeitos, parem de julgar os da história e minha emcimadomureza.
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Como considerações finais do caso, refleti bastante e percebi que muitos padres são bastante parecidos com o Michael Jackson. Só que mais pobres.
O que me dá duas opções de comparação. Ou o Michael Jackson pode ser seminarista, ou os padres podem aprender o Moonwalker. E tudo isso me faz chegar à conclusão única de que ambos têm um terrível mal gosto sexual.
quinta-feira, 22 de junho de 2006
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