segunda-feira, 28 de março de 2005

Ponte

Betão acordou mais animado do que o normal, naquela segunda-feira nublada. Seria até estranho alguém levantar da cama às 5 da manhã feliz, mas Betão tinha um bom motivo para isso. Ia conseguir emprego.

Falando assim parece fácil, mas para ele ia ser mesmo. Betão era conhecido como o melhor pedreiro de Itaquaqueceterubitinha do Noroeste, interior do Acre. Sua fama corria pelas matas, voava junto com os morcegos-vampiros que habitam aquela terra de ninguém e chegava até a capital, fazendo coro aos seus mais de 439 habitantes. Onde Betão chegava era saudado, quase venerado. Fazia sucesso com as empregadinhas do local, que por um acaso também eram donas de minimercearias e políticas, já que em Itaquaqueceterubitinha do Noroeste não havia muita gente.

Mesmo assim Betão estava desempregado, mas era só por falta de trabalho. Até que o governo resolveu investir em uma obra faraônica (para os padrões do local) - uma ponte. Mas não era qualquer ponte, era uma cheia de luzes e bibelôs eletrônicos, que tocaria forró 24 horas por dia. Seria a Ponte Elétrica. E Betão ia dar o pontapé inicial na obra.

Para comemorar, ele saiu domingo à noite. Tomou 3 litros de cachaça e mais umas latinhas de CervItinha, a cerveja do lugar. Por isso não teve tempo de se arrumar quando chegou em casa, bêbado como uma cotia-selvagem-cor-de-furta-cor. Ao acordar, sorridente, percebeu que não tinha feito a barba. Mas isso não atrapalharia seu novo empreendimento.

Tomou uma ducha na torneira do cafofo, vestiu seu jeans Bafaffá's - tão velho que estava ficando transparente - e sua camisa de botão, mandada por um primo seu de São Paulo. Não sabia como ler aquilo, achava que era Mêsbla. Devia ter vindo da Europa. Botou suas sandálias franciscanas, que pareciam ter sido usadas por Cristo mesmo, e saiu.

Passou na padaria, comprou fiado um pão com manteiga e pó de açaí e um café com açaí. Foi ao mercadinho, comprou um Prestobarba. Mal sabia o erro que acabava de cometer...

Chegou em frente a obra, sentou na calçada e foi fazer a barba antes de os outros chegarem. Meteu a mão em uma poça no chão de terra batida, jogou aquela água vermelha no rosto e começou a se barbear. Na primeira passada, a navalha afiada e torta do Prestobarba cortou em cheio sua jugular. Betão caiu no chão contorcendo-se de dor. Não acreditava que nada pudesse fazer mal a ele. Já tinha tomado até facada no pescoço e só tinha dado um cortezinho. Tentava desesperadamente fazer o sangue parar de jorrar, mas seu esforço era inútil. O corte era profundo e o jato de sangue parecia a correnteza do rio Itatuão. Perdia líquido a uma velocidade inacreditável. Porém, antes de fechar os olhos conseguiu enxergar as pessoas chegando e olhando horrorizadas para a cena, e o maldito Prestobarba caído no chão. Foi então que lembrou do conselho do seu falecido pai:

"Betão, meu filho. Tire os pêlo com um tiro, mas não usa o Prestobarba..."
***
No enterro, acompanhado por toda a população local, o padre começou a cerimônia:

"Estamos aqui presentes para prestar uma homenagem ao nosso querido Ro...." E parou. Todos ficaram na expectativa. Afinal, Betão merecia todas as honras. Mas o padre continuava inabalável, olhando para o papel. Até que pôde continuar: "Robertivelktisoniano Aracreide Suely Silva da Silva..."

E a cidade irrompeu em uma risada uníssona e frenética. Betão passou de lenda a chacota. Perderam o respeito pelo defunto; foram embora fazendo piadinhas sobre a gilete que matou o Suely e esqueceram o túmulo aberto.

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