domingo, 29 de novembro de 2009

Vida corrida

Eu tinha muitos planos antes de vir pra Espanha. Chegar em forma era um deles. Representar bem a malemolência carioca. Viver o estereótipo. E, como vocês perceberam, falo tudo isso no passado.

Cheguei aqui com cor de agência estampada na cara, e um físico despreparado e duvidoso - ainda que com os resquícios de uma juventude atlética. Foi o mais pesado que estive em minha vida, algo como 83kg pra 1,85m. Estava no limite.

Assim que aterrisei, resolvi fazer um reconhecimento de campo. Fui andando até a praia. Como ela está a mais de 5km de onde vivo e fui de chinelo, ferrei meu pé. Ganhei de presente de boas-vindas um inchaço que durou quase um mês. Saía todo dia com uma bandagem no pé, caminhar muito me doía e se eu o virasse um pouco mais (o esquerdo), parecia que ele ia cair.

Pois o tempo e nenhum remédio curaram o problema, e resolvi que ia colocar meu plano pré-Barna em prática. Comecei a correr sempre que podia. O que quer dizer três vezes por semana. Também comecei uma série regular e frenética de abdominais e alongamento. E finalmente, os resultados começam a aparecer.

Vejo que a velha forma bate à porta. Tenho tido mais disposição pra tudo, agüento o dia-a-dia mais facilmente e, o melhor, tô mandando a preguiça pro quinto dos infernos. Goste ou não, queira ou não, me exercito. A ponto de sair pra correr depois das 18h, com menos de 14 graus e vento forte. Acreditem, crianças, isso dá um desânimo incrível para fazer qualquer coisa diferente de tomar chá e ler debaixo da coberta.

É legal também ver que as caras que passam por você são quase as mesmas todos os dias, e que elas também reconhecem a sua. É como uma irmandade silenciosa de atletas anônimos, que não ganha nada além de mais saúde. O que é muito, na verdade. Ainda que não pague seu aluguel ou recarregue seu celular.

E quando eu voltar, ainda posso escrever um livro de auto-ajuda aeróbica e ficar rico às custas da ignorância alheia.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Rádio 3

Quando você está em outro país, experimentando o dia-a-dia de uma cultura diferente, precisa se adaptar o mais rápido possível às coisas do local. Pra mim, que sou movido à música, um jeito legal de fazer isso é ouvindo rádio.

Por sugestão do Alberto, meu assessor (deu branco, espero que seja com esse monte de "s" mesmo) pra assuntos catalães, a melhor daqui é a Rádio 3. Eclética, pouco ou nenhum jabá, gente que conhece muito de música. Resolvi experimentar. Viciei. Ainda bem que isso não dá positivo em anti-doping.

Fato é que a rádio é a melhor que já ouvi na minha vida. Qualquer uma do Brasil perde de lavada pra ela. Se fosse Fórmula 1, as daí se comparariam ao Rubinho. Se fosse futebol, ao Botafogo. Se fosse vela, ao Lars Grael (sem uma perna, pra quem não entendeu o humor negro). Realmente, a estação é incrível.

Eles têm uns programas raros, é verdade. Tipo um em que uma espécie de robô recita frases desconexas com um som ao fundo. Os radialistas também são um pouco esquisitos, como um cara que tem voz de quem fumou até a certidão de nascimento e agora convive com um câncer de garganta de 3 quilos. Mas pasa res, porque esta mesma figura sabe tanto o que acontece no underground ganês quanto a última tendência dos novos sons paquistaneses. E sabe muito de Brasil. Muito.

Um dia, enquanto corria, tocou Wilson Simonal ("Nem vem que não tem"). Ah, mas é conhecido, o cara é cool das antigas, vocês poderiam dizer. Beleza. Pois hoje (dia 25 de novembro, no caso), ele e seu convidado colocaram Zeca Pagodinho. Fácil também? Um pouco antes tocou Maria Bethânia. Ainda não convencidos? Pois logo depois de sua música, que era do seu último álbum, eles discutiram Hermeto Pascoal. E, pra acabar com os mais céticos, meu argumento final. Um nome:

Emílio Santiago.

Sim, ele mesmo. O pontinho preto no milharal. O alvo de tantas piadas homofóbicas. Pois além de ser muito elogiado por sua voz - que é realmente sensacional - ele foi comparado a ninguém mais, ninguém menos que Nat King Cole e Frank Sinatra. Disseram que poderia ser tão famoso quanto qualquer um dos dois.

Claro, eles não sabem que o cara é considerado meio brega por aí. Nem que é razoavelmente excluído do grande circuito. Mas a verdade é que colocaram uma canção muito boa, e deu até vontade de ouvir mais. Coisa que não vou fazer. E senti certo orgulho de ver nossa cultura tão elogiada, e de forma tão abrangente.

Só não fecho este post com algo do tipo "dá neles, Emílio!" porque coisas assim, em se tratando do garotão aí, podem pegar mal. Pra mim, porque com certeza ele encararia com a maior naturalidade. De costas.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Crise à vista?

Anúncio na TV espanhola: uma menininha brincando com umas bonecas que estão todas maquiadas, têm carta de motorista e saem de farra por aí. "Já somos maiores", dizem.

Vaya, não sou o cara mais certinho do mundo. Mas, sinceramente, acredito que deveria existir limite pra tudo. Fazer meninas de 10 anos quererem ser mais velhas, por exemplo. Ou então, que anunciem de uma vez o vibrador da Hanna Montanna ou a mamadeira com whisky pro bebê de olhos vermelhos.

Eu gosto demais do que faço, sou apaixonado por criar, minha profissão é divertida, blablablá. Mas isso me lembra meu primeiro trabalho (pra cigarro, quando ainda era becário na DPZ). Ter que fazer algo desse nível me faz mal. Dói na consciência. E não adianta dizer que "se não quiser, não faz". É mentira. Ou faz, ou fica na corda bamba.

Cada vez tenho mais claro por que estou aqui - com relação a mim. Profissionalmente, cada dia imagino uma coisa diferente.

Mas calma. Que ninguém ache que vou surtar ou vender pulseirinhas nas Ramblas (o equivalente a vender mel no Sana). É só fase. Daqui a pouco me encontro, encontro o caminho certo e pronto. Ou ao menos que eu descubra logo como voltar a escrever diariamente porque, mesmo com tudo o que tenho visto e vivido, não tenho conseguido colocar nada no papel.

E crise pra escrever, a essa altura da vida, é muito retardado.

domingo, 8 de novembro de 2009

Balanço do mês (e pouco)

NE: devido às obrigações de um estudante sem grana e ainda com muito por fazer, este texto está uma semana atrasado.

Depois de pouco mais de um mês na terra dos brancos de olhos azuis, e há um tempo sem escrever para a Ponte, volto com uma auto-entrevista pra resumir, explicar, dar notícias etc de como andam as coisas em Barna.

Eu: Barna?
Eu: Sim, Barna. Já me considero íntimo da cidade. Posso falar de bares, restaurantes, linhas de metrô, quanto está o quilo da laranja e forma de abordagem dos paquistaneses nos diferentes bairros turísticos. Assim, acho normal chamar pelo apelido. Como Zico, Mengo ou Pet.

Eu: Peraí, porque seus exemplos foram todos do Flamengo?
Eu: Porque o todo-poderoso acaba de colar de vez nos paulistas. E, quando você está fora de casa, qualquer alegria é uma grande vitória. Como esse 3x1. Essa taça vamos conquistar!

Eu: Concordo. Mas, voltando. Como é a vida em Barcelona?
Eu: Excelente. A cidade é tranqüila, limpa, o transporte público funciona perfeitamente, as pessoas têm se demonstrado simpáticas. Além do mais, quando se vive em outro país o dia-a-dia parece um grande período de férias. O único problema é que está chegando o frio.

Eu: Muito forte?
Eu: Pra um carioca, sim. Essa história de andar à noite ou ter que acordar às 7h fazendo 10 graus na rua não é nada legal. Fora que, por ser uma cidade de praia, venta muito. A sensação térmica agora deve ser de 273 kelvin.

Eu: Mas seu casaco agüenta, né?
Eu: Depende. Sempre esqueço do mais pesado. Saio sempre com um meio bunda que, na hora do vamos ver, peida. Eu até comprei um da Adidas por módicos 25 euros, que rasguei no metrô. Já era. Qualquer brecha que deixe passar frio congela até a alma dos seus ossos. Mas não tem nada. Março tá chegando, o sol vem aí!

Eu: Você esta conseguindo resolver tudo?
Eu: Espero. Sexta agora pego minha identidade de estrangeiro (NIE) - uma forma de te tacharem gringo e saberem que não está aqui escondido num cafofo e limpando privada no McDonald's no lugar de um espanhol. Com meu NIE posso abrir uma conta, pra pegar a grana que deixei no Brasil. Também vou poder faze o Bicing, um esquema de bicicletas da prefeitura que você pega e deixa em pontos espalhados pela cidade e sai por míseros 40 euros. Quando me mudar pra Barna, vai ser muito útil.

Eu: Ué, você não mora em Barna?
Eu: Quase. Vivo em El Prat de Llobregat, um ainda pueblo mas quase bairro de lá que fica a 10 minutos em trem. Como ele é pontual e tem o dia inteiro, é do lado. Mais perto que muita gente de lá mesmo. Além do mais, está me saindo bem em conta.

Eu: E as aulas?
Eu: Do mestrado, foram melhores esta semana. Na primeira foi tudo muito básico. Achei um absurdo mas, como o professor teve que explicar pra uma menina que apertando CTRL+Z juntos ela conseguiria voltar a cagada que tinha feito, entendi um pouco melhor. Na verdade, ainda não está do jeito que quero. Mas como o principal do máster é arrumar trabalho por aqui, não me preocupo tanto. Por enquanto.

Já as aulas de catalão estão muito boas. Às vezes, me parece que escolhi a carreira errada. Gosto de línguas e me saio bem com elas. Outra coisa: o català é muito parecido com o português. Mais que o espanhol. À primeira vista, parece complicado. Mas com um mínimo de boa vontade e inteligência, bastam duas aulas pra você entender o básico. Mas, como ajuda, basta pensar como o Mussum fala e tentar imitar. Vou escrever sobre isso mais pra frente.

Eu: Está saindo muito? Está em casa direto? Pode falar sobre isso?
Eu: Posso, Carol sabe o que tenho feito.

Eu saio muito com os amigos do Alberto, meu companheiro de piso, e da Bella, carioca que faz um máster em gestão cultural. Conheci os dois em Sevilla, e a vida nos colocou juntos de novo aqui. Os amigos deles são muito legais, alguns inclusive estão se tornando meus amigos. Vamos a muitos bares e restaurantes locais, o que me transforma num semi-camaco.

(camaco: do catalão "que maco!", ou "que bonito"; os daqui falam ou falavam muito isso, e acabaram sendo apelidados dessa forma pelos outros da província)

Não sou de boates, mas ontem fui a uma porque os amigos do Alberto estavam. Era como festa Ploc, mas com músicas espanholas dos 80 e 90. Mais perdido, impossível. Também fui num show de jazz grátis. E já recebi uns amigos gringos aqui em casa - apesar de que o conceito de gringo, agora, está muito expandido.

Mas estou boa parte do tempo em casa. Um, porque já conhecia a cidade. Dois, porque não sou turista e sim morador. Três, porque não tenho grana pra sair. Quatro, porque os deveres me chamam - dos trabalhos do mestrado a lavar cuecas. Poderia encontrar mais motivos, mas como não devo explicação a ninguém e já citei quatro, está de bom tamanho.

Eu: Já começou a procurar trabalho?
Eu: Fui a duas agências, falei com dois brasileiros, não consegui nada em nenhuma delas. Mandei e-mail pra uma conhecida de um deles que não me pareceu muito simpática. Tenho mais um contato e, depois, estou por conta própria. Vim sabendo que o mercado de trabalho não estava lá essas coisas, mas nunca é bom quando suas más suspeitas se confirmam. De qualquer jeito, agora que as aulas começaram eu posso procurar pelo cole. Eles devem me ajudar. Assim espero, claro.

Eu: Tem mais?
Eu: Claro! Acha que minha vida é só o que contei até agora? Acontece que já falei muito nessa postagem. E é bom saber o que os outros querem saber. Vou esperar comentários com novas perguntas (ou não) e escrevo outro texto.

Além do mais, tenho que estudar, escrever e não dá pra ficar me auto-entrevistando por muito tempo. Sou um homem ocupado. Marcamos um próximo papo entre você e eu em breve, vale?