segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pelé x Mourinho

Ambos são vitoriosos, ricos e falam português. Pelé Arantes do Nascimento e José Mourinho, o treinador do momento (há algum tempo) têm muito em comum. Inclusive, a incapacidade de manter a boca fechada.

"Pelé calado é um poeta", disse Romário. E dos bons, se compararmos com o nível do que sai quando ele abre a boca. Mas, se ainda não vi o lusitano derrapar em declarações extra-futebolísticas, no que diz respeito ao esporte ele não tem papas na língua. Só que existe uma diferença nada sutil entre os dois.

Pelé sempre disse que Pelé é único (ou seus equivalentes). Quer dizer, o Edson falou. Porque o Pelé é humilde, não fala de si mesmo. Já o Edson, como entidade extra-campo de carne e osso, tem todo o direito de idolatrar, tietar e amar o maior jogador de todos os tempos.

Já o Mourinho declara abertamente que é o melhor do mundo. Sua entrevista hoje, ao ser apresentado pelo Real Madrid, foi de um egocentrismo que beirava o ridículo. Frases como "ainda bem que existem presidentes de clube e diretores de futebol inteligentes que não acreditam nas invenções da imprensa e contratam técnicos como eu" rechearam suas respostas às dezenas de repórteres submissos e ignorantes que lotaram a sala de imprensa. Sem contar suas esporádicas ironias mal-educadas, ou a cara de quem foi dar um peidinho e agora tá na dúvida se pode levantar ou não.

Pelé foi eleito o atleta do século, e o Edson reconhece o feito. Mourinho espera ser eleito o melhor do mundo - pelos outros, porque ele mesmo já se premiou há muito tempo. O Edson fala na terceira pessoa porque é humilde como o Pelé, que não fala das suas façanhas. Mourinho fala em primeira pessoa porque ele é, ele foi, ele será e ele todo-o-possível, como se as suas conquistas - que não são poucas, é verdade - não tivessem sido suficientemente documentadas. Pelé é idolatrado. Mourinho se idolatra.

Por isso o Mourinho é o Mourinho, e o Edson é o Pelé.

domingo, 30 de maio de 2010

Unclutter your life

O sonho de 98% dos meninos brasileiros é ser jogador de futebol. Os outros 2% querem ser astronautas, e jogar futebol na lua. Mas, desde os 11 anos, eu tinha uma terceira opção: ser redator. E jogar futebol, claro. Infelizmente (ou não), a seleção natural atuou através do meu joelho e virei publicitário, pra desgosto da família.

O mundo deu voltas - as famosas rotação e translação - e, depois de 16 anos, estou em Barcelona, andando pela Ponte, terminando o mestrado em propaganda depois de passar por algumas agências no Brasil e outras experiências no exterior. Mas não vou falar de prêmios, idéias loucas ou pizzas de madrugada, senão o título do texto não faria nenhum sentido.

Quando trabalhava na DPZ, eles distribuíram uma folha que falava da filosofia chamada unclutter your life, ou "organize sua vida". A idéia, que provavelmente vem do oriente (como quase tudo relacionado à evolução espiritual), diz que ganhamos tempo e funcionamos melhor se organizamos nossas vidas - começando pelas pequenas coisas, como papéis espalhados na mesa e excesso de notas coladas no monitor. Até onde se aplica, é com você.

É nessa fase que me encontro. Faltando menos de três meses pra minha volta, é hora dar aquela geral. Não na gaveta de cuecas ou nos papéis do curso, mas na vida. Claro, só me dei conta disso depois de ver e ouvir coisas que não queria, passar por situações que não gostaria e me sentir perdido como sempre, tendo as sensações potencializadas pelas ausências - justificadas ou imperdoáveis - de pessoas que amo mais ou menos.

É hora de repensar atitudes, deixando pra trás o que não quero mais levar comigo; de encontrar o ponto de equilíbrio entre o que sou, quem pretendo ser e até onde quero e vale a pena ir; de apagar e-mails, memórias e pessoas (mesmo com minha memória de peixe lobotomizado, certas coisas são difíceis); de arrumar as amizades em ordem de importância e confiança; de traçar planos, anotar os passos na agenda e cumpri-los; de ser quem eu sempre quis ser, e viver como sempre quis viver.

É hora de arrumar a casa.

sábado, 29 de maio de 2010

Mal negócio

Você não precisa ser um gênio para saber que montar uma empresa no Brasil parece uma corrida de obstáculos indoor, pela quantidade de burocracia que deve superar. Sem contar os custos absurdos impostos aos empresários, inversamente proporcionais ao seu tamanho. Quanto menor, mais difícil de sobreviver.

Mas, se você passou os últimos anos da sua vida em coma ou não lê jornal desde a queda do muro de Berlim, pode se informar sobre o assunto em Business Planet. O site faz uma viagem por 183 países, pesquisando dados, analisando suas economias e informando o quão fácil - ou complicado - é começar sua lojinha e contratar um Jacó pra tomar conta.

E o Brasil com isso?, você me pergunta. Bom, tire suas próprias conclusões. Mas é pouco provável que alguém, principalmente quem está lutando pra fazer sua idéia dar certo, veja a posição 129 no ranking de "fazendo negócio" ou 126 no de "iniciando um negócio" com bons olhos. Ou os 16 procedimentos para abrir a empresa, e 120 dias de espera. Tampouco a posição 150 em "pagamento de taxas". Etc etc etc.

E eu com isso?, você me pergunta depois. Aí, vai da sua intenção. Se quer começar alguma coisa, certamente saber disso desanima bastante. Se não tem a intenção de gastar tempo, dinheiro e cabelos com isso, vale lembrar que então alguém deve te contratar. O que desanima bastante a pessoa, caso queira fazer legalmente. Então encontramos salários mais baixos, contratos esquisitos e trabalho informal. Não sei você, mas a maioria da população deve se reconhecer em algum desses pontos.

Eu me poupei ao trabalho de fazer comparações porque chega a um ponto em que um se desespera, e desanima de tal forma que fica difícil acreditar no Brasil. E não quero chegar a este ponto. Mas quem já morou no exterior, ou pelo menos prestou um pouco de atenção quando saiu do país, sabe que fora o transporte é público e funciona, o sistema de saúde é público e funciona, a cultura é integrada, valorizada e funciona... Enfim, posso listar o que for, e a frase vai terminar com "funciona". Claro que existem problemas aqui, e claro que estou falando de países desenvolvidos (Haiti, Burundi e Laos, por exemplo, não), mas é triste ver tudo o que o meu/nosso país poderia ser e não é. E se esforça pra continuar não sendo.

Deve ser complicado começar um negócio com a sensação de que está fazendo um mal negócio.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Filosofia de vida

Se plantaste, espera. Confia, com paciência e sem pressa. Não arranques a semente todos os dias para ver se já está nascendo.
Paramahansa Yogananda

Recebi esse ensinamento no dia do meu embarque para a Europa, num cartãozinho branco que hoje fica de frente para mim, na estante da escrivaninha. Admito que demorou a fazer sentido, mas agora não só entendo perfeitamente como faço um esforço incrível para tentar viver sob essa ótica.

Aos 27 anos e uns meses, sei o que plantei na minha vida, toda a dedicação e cuidado que tive com minhas sementes. A ansiedade freia a paciência e acelera o relógio interno, mas estou trabalhando nisso. Conheço boa parte dos meus defeitos. O problema é que nem tudo na vida depende exclusivamente de você, e esperar reciprocidade em palavras e ações nunca é aconselhável.

Meu maior problema continua sendo confiar nos outros.

O cliente sempre tem razão?

Conversa entre cliente e funcionárias de um supermercado - ou como se comporta um espanhol velho:

Velho: Desse iogurte aí, tem de quê? (em frente à geladeira, olhando pra eles)
Funcionária: Morango, natural e natural sem açúcar.

Velho: Então me põe um de abacaxi. ("me põe + coisa" é como dizem aqui quando estão pedindo algo num bar ou restaurante, falando com o garçom; ele estava em um mercado, com um carrinho de compras)
Funcionária: Não tem de abacaxi, senhor. Só de morango, natural e natural sem açúcar.
Velho: Hum, então me põe esse daí, ó. Eu quero esse daí.

Não sei o que ela respondeu, estava irritado e saí de perto rápido. Com certeza, colocou o iogurte no carrinho do velho. Mas é claro que aquilo ia me perseguir, e pronto ele era o seguinte depois de mim, na fila do caixa. Daí, enquanto guardava minhas coisas:

Velho (antes da mulher começar a passar as compras): Ei, esse iogurte sai pela metade do preço, viu?! Cuidado!
Caixa: Quem disse, senhor? Foi a minha companheira?
Velho: Sai pela metade do preço! Olho aí, hein, dizia metade do preço. Não vai me cobrar mais caro porque ele sai pela metade!
Caixa: Mas quem disse isso, senhor? Minha companheira?
Velho: Ele vale metade do preço! Cuidado, não vou pagar mais! Ela disse, lá atrás.
Caixa: Minha companheira? Ou estava marcado?
Velho: Estava marcado, mas cuidado! Se passar mais caro, não vou pagar!
Caixa: Senhor, se estava marcado, vai passar o preço que o senhor viu.
Velho: É bom, porque eu não vou pagar mais caro!

Agora eu sei o que acontece quando as crianças espanholas insuportáveis que vejo por aqui ficam mais velhas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quase morte

Eu tenho pra mim que a melhor maneira de escapar ileso de uma experiência de quase-morte é não passar por ela. Claro que posso estar enganado, como da vez em que não alimentei minha esposa e tentei sair do zoológico abraçado ao hipopótamo. O que foi muito injusto e insensível da minha parte, pois ela já tinha perdido mais de 80 quilos nos últimos meses. Anos, sei lá. Não prestava a menor atenção nela.

A experiência de quase-morte é uma espécie de test-drive do céu. Ou do inferno, dependendo de como você se comportou e se acredita mesmo nisso. Porque sempre tem a opção de dizer "ei, seu cramulhão, você é uma invenção da igreja pra me obrigar a entregar as moedas que ia gastar na máquina de refrigerantes!". Se tiver a mente muito forte, pode acabar com a visão do fogo eterno. Ou então fingir que não sente nada, caso o diabo realmente exista e não vá com a sua cara depois da tentativa frustrada de desacreditá-lo.

Voltando ao test-drive, ele não tem seguro (os bancos ainda não cobrem isso, por mais que os valores das apólices pareçam incluir até queda de pêlos da orelha). Se você bater as botas, é perda total. Não sei de onde sai a ilusão de que vai ser uma boa história pra contar e que todo mundo vai te pagar cerveja enquanto escuta como é o outro lado, quem te recebeu e se a luz divina funciona com sensor de presença.

Imagina a situação: você cai da escada da 4x4, escorrega numa revista de subcelebridades de três anos atrás que estava no chão da recepção do Werner Coiffeur ou xinga o motorista que te deu uma fechada antes de perceber que ele é duas vezes maior que a porta da sua garagem. Daí, sente alguma coisa e não se lembra mais de nada - também conhecido como ir para o hospital em estado de coma. O que acontece?

Então, não sei. Nem você. E é aí que mora o perigo (na Vila Cruzeiro o perigo só dorme, normalmente nas noites de pagode; é perigoso sair de lá de madrugada). Além de você poder morrer, o que não é legal se comparado a estar vivo, podem acontecer coisas muito piores. Quase pior que ser mãe do Serginho, do BBB.

Você pode despertar em estado vegetativo. Além da palavra despertar ser irônica, já que você não recobra a consciência, o termo estado vegetativo é maldoso. Chamam assim porque a pessoa - que, no caso, seria você - se parece a uma alface, ou um abacateiro. Sendo que não faz fotossíntese, ninguém rega e o Greenpeace não se amarra em volta pra defender.

Você pode voltar sem algumas funções básicas e seriamente afetado. Deve ser doloroso acordar falando como a Hebe, com o senso de humor do Faustão ou como o Rubinho, num aspecto geral.

Ademais, caso você sobreviva sem nenhum tipo de seqüela, ainda vai ter que passar por um longo período de recuperação. Ou seja, vai ter sempre as mesmas histórias pra contar - se transformando no famoso chato.

Assim, quando pensar em ter uma experiência de quase-morte, fique com a definição dos franceses, que chamam o orgasmo de petite mort. O gasto com saúde se resume à camisinhas, o tempo de recuperação varia entre uma soneca e a reativação do princípio ativo do Viagra e você vai ter muito mais histórias pra contar.

E, se ela for feia ou fingir a petite mort, você não precisa de atestado médico pra inventar o que viu.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Coisas que penso quando tenho insônia

O português é uma língua muito rica. Menos pra quem é pobre.

Se fazer música baiana fosse um pouco mais fácil, Paulo Coelho era cantor de axé.

Tem gente que nasce com a bunda virada pra lua. Quando o Rubinho nasceu, teve eclipse.

Sacrifício é uma questão de ponto de vista. Se ninguém vê, então não é.


Se Jesus se sacrificou por nós e ninguém aprendeu nada, por que comigo seria diferente?

Também escrevo blues. Desde quando? Desde a semana passada, creio. E deve ser meu próximo texto aqui. Ou não, porque do jeito que (não) tenho dormido, minha memória deve estar sendo seriamente danificada. Daqui a algum tempo, vou me considerar um cara de sorte se me lembrar do meu nome.

sábado, 22 de maio de 2010

Inferno astral

Quem acredita em astrologia ou conhece alguém que acredita (meu caso) sabe o que significa o termo "inferno astral". Resumindo, é um período que antecede seu aniversário quando acontece um combo de cagadas. Deve existir uma explicação que envolva Ursa Maior, Mercúrio retrógrado e o sol na casa do seu signo, mas pra mim é só pra que a pessoa pense "ainda bem que meu aniversário está chegando".

O meu é dia 22. Não hoje, não do mês que vem. De janeiro. Ou seja, faltam exatamente oito meses pros meus 28 anos. Não me parece muito próximo, ou ao menos não sinto assim. Mas o inferno astral chegou chutando a porta com bota do exército reforçada por um prego enferrujado no bico.

Em duas semanas, tive a pior notícia da minha breve vida, perdi uma viagem à Pisa por culpa de um vulcão que nem sei falar o nome, voltei a sentir dor no joelho depois de correr, recebi uma proposta de estágio ridícula - e descobri ao mesmo tempo que estrangeiros são sobretaxados pelos governos europeus, acabei de perder uma viagem à Cagliari por fatores externos que me atrasaram (além de uma bela ajuda da minha parte). Se me esforçar, sei que lembrarei de mais coisas. Prefiro guardar minhas energias.

Sou o tipo de pessoa que não só vê o copo meio cheio como ainda levanta e vai à cozinha botar mais água, mas o que me incomoda nisso tudo é que o combo mega-maxi-ultra-power de porcarias veio depois de um dia em que acordei com aquela sensação de que o mundo te ama e não existe ninguém mais feliz na vida. Um dia em que me levantei disposto a corrigir problemas e ser uma pessoa melhor. Um dia em que o sol bateu no meu rosto enquanto se esquivava de umas folhas no caminho pra praia de onde moro, e que me fez pensar nas maravilhas da natureza. Ou seja, não tomei uma ducha de água fria. Fui soterrado por um iceberg.

Mas, vamos lá. Vida que segue. Sentado no sofá de casa, onde achei que só estaria daqui a quatro dias, tento enxergar o lado bom disso tudo, repenso meus planos e traço novos caminhos e estratégias pros próximos dias, meses e - quem sabe? - anos. Sinceramente, ainda não sei se o que incomoda mais é a indecisão ou a indiferença, os contratempos ou as mentiras. Muita coisa dói, e muito. Em todo o caso, fico com o conselho da minha avó: "mija que passa".

quarta-feira, 12 de maio de 2010

domingo, 9 de maio de 2010

Eyjafjallajokul, eu e a minha mãe

Mais uma vez, sou obrigado a deixar a série de textos sobre Malta pra depois. Dessa vez, graças à mãe natureza. Aquela que, ao menos por mim, não será homenageada hoje.

O Eyjafjallajokul não é o maior vulcão da Islândia, nem o mais importante. Mas resolveu que era hora de aparecer. Não por pouco tempo, só pra dar uns dias de notícias para os jornais de todo o mundo. Por muito, muito tempo. Espalhando cinzas e caos pela Europa. E cancelando vôos.


O pior de ter um nome impronunciável é que não consigo xingar com propriedade. Dizer "esse vulcão" prejudica bastante minha intenção de odiá-lo. Porque, depois de planejar por um mês quatro dias em Pisa, encontrar sofá e albergue, criar um mini-dicionário básico fundamental de italiano e descobrir coisas que me encantaria fazer, ele fechou o espaço aéreo espanhol e bloqueou meu avião.


Posso resumir meu sábado assim: acordei cedo, perdi aula e paguei 23 euros por um bilhete de ida e volta ao aeroporto de Reus. Viajo uma hora e vinte e dou de cara com um painel que informa o cancelamento de vários vôos. Entro numa fila da RyanAir por mais de uma hora, tendo que dissimular minha decepção enquanto impedia milhares de tentativas de uns marroquinos cretinos de passarem na minha frente. Arrumo um reenbolso pra cerca de dez dias, não sem antes aturar uma catalã dando piti com a funcionária que me atendia. E que queria chamar a polícia, o que atrasaria consideravelmente minha saída daquele inferno.


Por demorar nesse processo, não havia mais ônibus pra Barna quando saí do sagüão. Eram 13h, e o seguinte sairia às 16h ou mais. Paguei 2,20 € por um ônibus pra estação de trem da cidade, mais 7,40 € por uma passagem de volta e 1h de viagem. Demorou mais, claro. E fui obrigado a agüentar um ser roncando metade do trajeto. Ah, sim, perdi a grana do bilhete de volta do ônibus, não reembolsável.


Apesar de tudo isso, estive surpreendentemente calmo durante todo o dia. Talvez porque, no fundo, sabia que não posso me irritar com o inevitável. De que adiantaria me estressar se não ia mudar absolutamente nada? Já tenho muita coisa que tira meu sono, o que não tem jeito não pode entrar nessa lista. Uma prova do meu amadurecimento? Espero.


Só sei que, graças a esse belo sábado, eu descobri que a mãe natureza é mãe também dos juízes de futebol.


***

Mas essa história não pode apagar a estrela do dia: a mãe. Especialmente a minha, que me atura há tanto tempo e conseguiu transformar a união de um óvulo com um espermatozóide em um adulto minimamente educado, com algo de inteligência e tão bom quanto a vida o permite ser.

Minha mãe não lê meu blog, não deve saber que tenho um e, provavelmente, nem sabe o que é um blog. Mas escrevo isso porque ela merece. Porque não é todo mundo que acorda de madrugada pra saber o que você tem. Que faz seu prato favorito quando você está triste por algum motivo que não quer dizer a ela. Que liga sem avisar porque sentiu que você precisa de um afago - e você realmente precisa.

Não é todo mundo que faz previsões que não te agradam, acerta e no fim das contas você se dá conta de que era exatamente o que gostaria. Que chora porque você conseguiu seu objetivo, por mais bobo que seja. Que conta vantagem pras amigas por coisas que você considera normais. Que agüenta sua fase chata de criança, cretina de adolescente e sumida de adulto. Que engole suas palavras feias e louva cada mínimo elogio. Que se orgulha de ter sofrido pra você nascer, e que continua se orgulhando por anos, décadas, o tempo que estiverem juntos, por tudo o que você faz, é ou está. Que se sacrifica por alguém que, segundo a (triste) lógica da vida, viverá mais do que ela. A distância (graças a Deus, física, de "apenas" um oceano) me faz perceber cada vez mais como ela faz falta. Assim como pai, irmão e pessoas amadas em geral.

Quilômetro é uma unidade de medida diretamente proporcional à saudade, e potencializada por datas especiais.

Mesmo tendo consciência de que esta é uma invenção comercial, e de ser dos que defendem que todo dia é dia das mães, não poderia deixar de falar um pouco de uma das pessoas que amo mais que tudo nessa vida. Mais que a mim mesmo, inclusive. Não por falta de amor-próprio, e sim desprendimento pessoal por algo - alguém, no caso - infinitamente maior e melhor do que eu, e que merece todo o amor do mundo.

Por isso, ainda que eu acredite que minha mãe não vai ler esse texto, digo: feliz dia das mães. Te amo.

E, para todas as outras mães da minha vida (tias, avós, sogra, mães de amigos e agregadas em geral), um excelente dia de hoje. Desejando que os outros 364 sejam ainda melhores e mais especiais.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Fleet Foxes

Enquanto a discussão sobre a marcha da maconha rola nos comentários do texto anterior (a Ponte não é uma via de mão única, nunca se esqueçam disso), volto à programação normal. Escrever. Depois de uma (outra) noite de pesadelo, insônia e luz na cara às 7h.

Há muito tempo atrás, descobri From the Basement: um projeto sem nada de inovador, levar grupos pra um estúdio e gravar versões diferentes das suas músicas. Mas com belas escolhas de participantes (nomes como Beck, Iggy and the Stooges, Queens of the Stone Age e Sonic Youth já deram o ar da graça) e excelentes resultados. Em todo o caso, tão bom quanto ver Gnarls Barkley e seu Crazy relax ou uma versão ramadã de Blower's daughter é descobrir gente que nunca tinha escutado - para a tristeza dos meus ouvidos. Entre os que poderia citar, fico com Fleet Foxes.

Sim, eles são indie. Mas o quinteto de Seattle com influências de gente como Bob Dylan (tá, o cara influenciou meio mundo, mas e daí?) faz um som interessante e muito bom. Não defino de outra forma por dois motivos: um, não sei. Dois, não importa. Acreditem no meu gosto eclético e seletivo e escutem os caras. Compensa.












Oooooooooooooooooooooobrigado, Alexandre!

Aí você me pergunta "e por que não Eels, Jose Gonzalez, My morning jacket ou Zee Avi"? Sei lá, mas escrevendo essa frase acabo de falar deles também. Vai lá e escuta todo mundo. Vale a pena.

Mas quero esclarecer uma coisa: nada disso vale pra CSS, que odeio e está lá por algum motivo obscuro. É como encontrar Paulo Coelho na seção religião, ou troféu na sala de troféus do botafogo. Simplesmente sem sentido.

ps: uns dias atrás, o Update or Die me deu o prazer de descobrir Bombay Bicycle Club. Pesquisei, escutei e gostei de todo o álbum. Todo. Acho que isso não acontecia desde que me deram de presente o CD do penta de 92, com a foto do Júnior comemorando o gol contra o botafogo (com minúscula, sempre) na capa.

domingo, 2 de maio de 2010

Marcha da maconha

Acabei de voltar de Malta, entrei nos três últimos meses de estada na Europa, vi o Barça ser eliminado da Champions por um time que pratica o anti-futebol, o desemprego no país onde vivo passou dos 20% da população ativa. Mas me senti na obrigação de deixar tudo isso pra depois e escrever sobre a marcha da maconha, no meu querido e distante Rio de Janeiro.

Quem me conhece sabe que não fumo, não fumei e passei da idade de bancar o rebelde pra experimentar ou desafiar o sistema. Também sabe que tenho amigos que já fumaram ou fumam e não discuto isso - cada um faz o que quer da vida, e tampouco sou melhor que os outros pra julgá-los. Mas a questão aqui é a marcha pela legalização. Falam de "fim da hipocrisia". Dizem que, se fosse legalizada, haveria menos mortes pelo tráfico de drogas. Bom, que tal pensar um pouco mais longe? Viajar, pra entrar na onda da discussão.

Não é a ilegalidade das drogas que gera violência no país. É a desigualdade social. Legalizar vai mudar esse panorama? Vai gerar milhares de postos de trabalho e melhorar a distribuição de renda? E, se fosse legal, você (que fuma) compraria maconha numa loja oficial? Nada pessoal, mas o que vejo são pessoas comprando cerveja na mão de ambulantes, camisas de clubes falsificadas, CDs e DVDs piratas, sempre  justificando que são mais baratos. Maracanã, entrada de shows, Uruguaiana, camelôs em frente ao Madureira Shopping, o que não falta são exemplos pra comprovar o que digo. Alguém disse hipocrisia?

Ah, sim, a Holanda. Bom, quem estudou ao menos um pouco de história sabe que ela é desenvolvida há alguns séculos. Seu povo tem um grau de educação avançado e o nível de vida no país é algo inimaginável para nós. Os garis são bilíngues, eu (ou)vi. Eles podem discutir a legalização de drogas tanto quanto a eutanásia, por exemplo. Porque há poucos motivos reais de preocupação no país, como a subida do nível do mar e a construção de diques. Inclusive, eles deram uns passos atrás no assunto quando o país virou playground mundial de junkies que aproveitavam o fato pra se entupirem do que encontrassem pela frente. Ahan, sei. Hipocrisia.

Quem foi pra marcha certamente passou por mendigos, crianças de rua e outros desafortunados. E o que será que toda essa gente fez pelos marginalizados, eu me pergunto? Pagou um lanche, ouviu seus problemas, ofereceu emprego, indicou uma casa legal onde eles podiam encontrar ajuda? Ou fingiu que não viu, disse que não tinha moeda e guardou o dinheiro (talvez ganho com o trabalho, talvez saído do bolso do pai) pra rachar um tijolo entre os amigos? Hipocrisia?

Legalizar a maconha ou qualquer outra coisa deve ser algo a ser decidido pelo povo, verdade? O nosso, no caso. Que não tem educação de qualidade oferecida pelo Estado - que obriga os professores do ensino público a aprovarem os alunos e compensa a falha com sistemas de cotas. Que é considerado leitor quando lê 1 livro a cada três meses (metade da população, sendo que metade são livros didáticos - ou seja, lidos por obrigação). Que passa fome, que vive em favelas, que se equilibra no emprego em um país onde o salário mínimo é de R$ 510,00 e um livro custa pelo menos 5% desse valor - e que, ainda assim, vai pro bar torrar o que não sobra em caixas de cerveja, vendo futebol. Que tem como principal atração novela das 20h e BBB. Que não se informa sobre os candidatos em que votam e repetem os mesmos erros de eleições anteriores. Esse povo é quem deve decidir, verdade? Hipocrisia, o quê?

Todo o recurso a ser usado na votação e na aplicação das novas normas caso a lei seja aprovada me parece um absurdo, se pensamos na quantidade de problemas e projetos muito mais importantes para a população em geral: saúde, saneamento básico, segurança e, claro, educação e cultura. Não vejo muito sentido assumir esse compromisso financeiro quando tem gente morrendo em deslizamento de terra por morar sobre um lixão ou criança fora de escola porque tem que levar dinheiro pra casa pra ajudar a mãe solteira que faz bico em casa na Zona Sul. Onde houve a marcha pela maconha, e reclamaram da hipocrisia.

Pelo visto, pegar um sol e batucar na orla é muito mais fácil que encarar nossos verdadeiros problemas. E não falo isso como não fumante, espírita, futuro pai de família ou o que seja. Falo como humanista. É que ficar relaxadão com os amigos matando a fome da larica enquanto o resto do país se vira como pode me parece a verdadeira hipocrisia. Como a marcha pela legalização da maconha.