segunda-feira, 14 de junho de 2010

A nova colonização

Não faz muito tempo, a África estava dividida entre as potências imperialistas mundiais. Havia colônias francesas, inglesas e até portuguesas. Para repartirem petróleo, metais, pedras preciosas e outros recursos, repartiram também a região. Linhas pontilhadas num mapa-mundi delimitavam os novos países, sem a menor preocupação com tribos ou costumes locais. Daí as constantes guerras étnicas que seguem acontecendo. Antes de sair do Brasil, estava lendo esse livro. Quem se interessa pelo assunto deveria procurar por ele por aí. Ou aqui.

Não muito tempo antes, os países latino-americanos se independentizavam de muitas dessas nações. A colonização do outro lado do oceano começou mais cedo e, se não causou tantos problemas entre povos próximos, foi igualmente prejudicial em termos de desenvolvimento econômico e social. Não serve de desculpa para a nossa insistência em não evoluir, mas é um fato histórico incontestável.

Claro, como pessoas inteligentes, estudiosas, cultas e malandrinhas que são, vocês sabem de tudo isso. Mas foi só um repasso pro texto. Sobre um novo tipo de colonização que não vemos ou nos damos conta, mas vai se alastrando pelos mesmos lugares. Legalizada e, muitas vezes, idolatrada. O assunto?

Futebol.

Estão rolando as eleições pra presidente do Barça. Foram cinco debates durante essa semana, com a presença dos quatro candidatos se acusando mutuamente e fazendo promessas de dias (ainda) melhores para o clube. Eles realmente levam a sério o negócio, talvez incentivados pelo sucesso do agora predecessor Joan Laporta - o melhor presidente da história do clube, e que certamente se lançará na política catalã. Ou seja, o clube é uma espécie de trampolim para o poder local. O que não é pouco.

Vendo um dos debates, rolou a pergunta que gerou a postagem: qual seria a política para a masia (local onde se desenvolvem as divisões de base do clube, de onde saíram nomes como Xavi, Iniesta, Pedro, Busquets, Puyol, Piqué e Messi). Ao menos um dos candidatos (talvez todos, não me lembro) defendeu a idéia de levar as masias para "onde surgem os futuros craques, como América do Sul e África, e tê-los desde jovens, já que o futebol hoje é globalizado".

Sim, o futebol hoje em dia é globalizado - como tudo. A não ser que você faça compras em Friburgo, sua cueca (ou calcinha) tem tecido chinês e foi costurada no Vietnã. A preço de banana d'água e podre. Isso não é novidade. O que surpreende é a que ponto chegamos, defendendo a questão em campanha ao vivo na TV. Chegamos a um ponto onde o "próximo futuro craque" de oito anos tem contrato firmado com um time grande - ou não - do exterior, garantias de uma fabricante de material esportivo e passa a ter cada passo vigiado constantemente por um agente Fifa. Afinal, é um investimento e, como tal, deve ser preservado.

Isso gera, entre tantas outras coisas, a enxurrada de jogadores naturalizados jogando nas seleções de outros países, como Cacau ou o braso-japa que tentou matar o Drogba. Algo que fica ainda mais claro em época de Copa do Mundo. E, no embalo, vemos assuntos como xenofobia, identificação com o país de origem, fim das fronteiras futebolísticas ou uso de indivíduos decepcionados com a falta de chance em seu país pra ganhar um título qualquer e gerar patrocínio e riquezas pra federação responsável pelo esporte etc.

Se não desenhamos linhas num mapa, hoje determinamos traços igualmente imaginários que fincam ponto A e B; onde Fulaninho está e onde estará daqui a alguns anos, sem possibilidade de decidir o próprio futuro. Mudou de idéia, quer ser médico? Deveria ter pensado antes de deixar seu papai com primeiro grau incompleto assinar um termo de responsabilidade num contrato em inglês de quarenta páginas decidindo sua vida. Ok, a chance de Fulaninho querer ser médico em vez de jogador de futebol é mínima. Mas não deixa de ser alarmante que ele tenha seus próximos tantos anos de profissão definidos quando ainda mal tem noção da vida. Se existe a discussão sobre decidir a carreira aos 17 anos, época do vestibular, imagina não poder ser nada além de jogador de futebol aos 12. Tendo que treinar pra se aperfeiçoar, o que fatalmente fará com que a escola fique em décimo-oitavo plano.

Esse texto não é ingênuo ou romântico, esperando que os clubes estrangeiros sejam mais humanos ou que seja criada uma política de proteção às crianças e jovens dos países fornecedores de mão-de-obra habilidosa. É um desabafo, por ver que continuamos sendo um bando de ignorantes colonizados pelo primeiro-mundo. Se a maior riqueza de um país é o seu povo, estamos cada vez mais pobres.

2 comentários:

Al disse...

é só lembrar do freddy adu, aquele que assinou um contrato de 1 milhão de dólares com a nike quando tinha 14 anos.

cadê ele? sei lá, talvez agora seja médico.

Jullia A. disse...

E Pink FLoyd e seu moedor de carne continuam atuais.