domingo, 3 de julho de 2005

Domingo de manhã

Ele acordou com aquela dor de cabeça. Não uma dor de cabeça qualquer, mas aquela - a mãe das dores, a dor de quem bebeu uma fábrica de Itaipava quente em meia hora de festa e com estômago vazio. Não lembrava de nada da noite anterior, só que tinha conhecido uma morena linda, que tinha saído da boate com ela e...

E mais nada. Quis olhar seu relógio Casio comprado em um camelô da Uruguaiana. Não estava no pulso. "Vai ver que tirei e nem lembro", pensou. Foi virar de lado para se levantar da cama imunda daquela espelunca de quinta categoria ("lembra Perdido noa Noite 17", e ria sozinho para dentro), mas uma dor ainda maior que a na cabeça cortou seu corpo como uma espada Hattori Hanzo. Vinha da altura da barriga, mais precisamente da parte de trás. Passou a mão para ver o que era.

Deus! Havia um buraco ali, e gelo embaixo de seu corpo! Com o susto passou a sentir o frio liberado pelos cubinhos quase totalmente derretidos. E percebeu que não estava na cama, mas em uma banheira. Haviam roubado seu rim!

Ele já havia lido sobre isso, mas achava que era lenda. Ou que nunca aconteceria com ele. Ficou desesperado, quis correr para o telefone. Sem vencer a dor mas com a força de vontade descomunal que impera nos desesperados, pegou impulso com os braços e... caiu no chão. "Deus, cadê meus pés?!", urrava enquanto seus olhos miravam aquela cena absurda.

Seus olhos não, porque ele ainda não tinha se dado conta de que só enxergava com o direito. Percebeu ao tentar ler no espelho do cafofo o recado da morena. "Ahhhhh!!!!", foi o que disse. Não era possível, não enxergava com o olho esquerdo! Haviam roubado até sua córnea!

"Desculpa, mas precisávamos de material. Ah, e do seu carro também. O dinheiro do ônibus está na cabeceira". Mas ele não iria assim, precisava de uma ambulância urgentemente. Precisava pensar como sair da banheira, quando percebeu que sua cabeça ainda doía demais. Será que haviam roubado parte do cérebro também? Mexeu na semi-careca e descobriu um corte que circundava toda a região. Desesperado, tirou o tampo, que a deixava com um aspecto de panela. "Panela velha é que faz comida boa...", pensou, e ria por dentro de novo.

Colocou a mão e achou tudo cheio. Mas tinha uma consistência pastosa e um cheiro ruim. Lembrava cocô. E se lembrou quando sua mãe perguntava o que ele tinha na cabeça. Se ela visse o que ele deixou acontecer...

Preferiu continuar deitado.

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